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14 de abril de 2010

Silene Palmeira/ Azenilda Santos

Álvaro, J. L. & Garrido, A. (2003). Psicología social perspectivas psicológicas y sociológicas. Madrid: McGraw-Hill/Interamericana, S.A.U.

O livro Psicología Social perspectivas psicológicas y sociológicas, escrito pelos professores José Luiz Álvaro e Alicia Garrido, é uma obra de grande importância, principalmente num momento em que a psicologia social no Brasil se expande e ganha novos e distintos olhares.
Poderíamos defini-lo como um manual introdutório, mas cometeríamos um equívoco ao limitá-lo a um trabalho que teria como propósito resumir e concentrar o conhecimento relativo a uma dada ciência ou arte. Os autores revisitam, através de um profundo cuidado histórico, as principais teorias que constituíram e constituem esse campo hoje delimitado como Psicologia Social. Essa visita se faz através de uma responsável preocupação ontológica, o que torna o texto um referencial básico para professores, alunos e profissionais que vêem na Psicologia Social um campo de atuação e de viabilização de seus estudos e de suas práticas.
Ao adotar o arriscado processo de reconhecer e posicionar-se frente a uma dupla origem da área – a psicologia e a sociologia – os autores desafiam e superam, com louvor, as possíveis críticas sobre o risco da constituição da dualidade e a penúria de uma concepção autônoma para a Psicologia Social, utilizando para isso uma análise criteriosa das teorias que a foram constituindo e lançando mão da contextualização das concepções epistemológicas e metodológicas que dominavam cada período histórico por eles abordado. Ainda que muitos discordem dessa paternidade (ou maternidade) compartida, o desenrolar do texto mostra a Psicologia Social como um variado território de intercessões que pode inclusive dar margem a um tratamento de 'psicologias sociais'. É, basicamente, a utilização do recurso de contextualizar historicamente a partir das concepções epistemológicas e históricas, que viabiliza a estruturação dos capítulos do livro. Essa trajetória, marcadamente histórica não se resume, porém, a uma abordagem linear - no sentido moderno do termo -, mas implementa a compreensão de uma multiplicidade de origens e de condicionantes para a constituição de um território tão fronteiriço entre duas disciplinas.
O livro inicia sua análise no contexto onde a psicologia e a sociologia reivindicam seu estatuto de autonomia frente à filosofia. O processo de independência e consolidação dos dois conhecimentos levou os autores a utilizarem o recurso "geográfico" do surgimento das ciências sociais para explicar a constituição da Psicologia Social; ou seja, o acento é posto no contexto social e cultural onde nasciam as idéias. Essa forma de abordagem é diferente da adotada nos demais capítulos, onde a explicação lança mão do conhecimento teórico proveniente tanto da psicologia como da sociologia, já suficientemente constituídas no espaço do saber científico.
O marco do surgimento da psicologia como disciplina independente é ratificado pelo lançamento dos dois primeiros manuais An introduction to Social Psychology, do psicólogo William McDougall, e Social Psychology: An Outlineand a Source Book, do sociólogo Edward Ross. Nesse momento os autores têm a preocupação de não vulgarizar sua percepção da dupla constituição da Psicologia Social, apelando apenas para a origem dos autores nas duas diferentes disciplinas, pois lançam as bases da construção das idéias aí contidas num considerável apanhado epistemológico. Apontam em McDougall as influências da Völkerpsychologie de Wundt, além da Psicologia da Gestalt – Wertheimer, Kofka e Kohler e do Condutismo de Watson e em Ross as influencias da teoria social através de autores como Weber, Simmel e Cooley. É também nesse apartado do livro que, ao meu ver, fica denotada a importância - talvez não suficientemente explorada em boa parte das escolas brasileiras – do interacionismo simbólico e da obra de George Mead, naquela que é por muitos apontada como a mais sociológica das teorias psicológicas ou mais psicológica das teorias sociológicas.
Na seqüência do texto, ao relevar o domínio do positivismo lógico - fundamental na tese da unidade da ciência - poderia haver margem para pensar a aproximação entre as duas vertentes, mas fica claro que o impacto desse domínio teve distinta conotação nos espaços psicológico e sociológico. Na sociologia americana desenvolveu-se o funcionalismo estrutural com forte influência de Talcon Parsons, enquanto na Europa, sob a influência marxista, houve a configuração da Escola de Frankfurt. Na psicologia, por outro lado, havia uma forte influência do condutismo. No entanto, a psicologia social pareceu relativamente imune à influência hegemônica do condutismo, considerada a corrente mais representativa do "neopositivismo".. A dificuldade em considerar uma explicação do comportamento social isenta dos desígnios da consciência ou dos processos mentais superiores foi o que propiciou uma forte influência da Psicologia da Gestalt, representada principalmente através do pensamento de Kurt Lewin e seus estudos sobre os comportamentos grupais; e também dos trabalhos de Vygotski sobre a gênese cultural da consciência, embora de uma forma muito discreta e quase marginal. Fica claro na observação feita pelos autores que a influência psicológica nos estudos da Psicologia Social parece mais representativa nesse período - a diferença do período anterior onde a sociologia parece haver dominado – e isso é explicado pela maior adaptabilidade da psicologia aos princípios do positivismo lógico. A influência positivista também serve de explicação para a perda de relevância do interacionismo simbólico, por esse não se adequar ao modelo de cientificidade dominante.
No transcurso dessa história da Psicologia Social percebe-se a preocupação no texto em recorrer constantemente a uma análise da filosofia da ciência, para com isso compreender a repercussão, na configuração da psicologia social, das transformações ai operadas. A crise do positivismo lógico e a conseqüente revisão dos pressupostos que constituíam o suporte da análise da atividade científica possibilitaram, a partir da década de 1970, o acolhimento de diferentes propostas já não tão fiéis às crenças na atividade racional, na objetividade e na existência de um único método a ser seguido pelas "ciências". Os determinantes históricos e sociais começavam a ter relevância no desenvolvimento da atividade científica. O texto ressalta ainda que a crise do positivismo lógico teve também sua repercussão na sociologia da ciência, de forma especial com a contribuição do pensamento de Kuhn, destacando a consideração dos métodos de validação do conhecimento científico ao lado dos fatores históricos e sociais. A crise da Psicologia Social sofrida no princípio dos anos 1970, conseqüência da crise das ciências sociais como um todo, acabou constituindo-se em um espaço potencialmente aberto a novas contribuições do pensamento. Na psicologia deu-se a relevância das correntes que iriam questionar a adequação do método científico, numa alusão clara à prisão a que estiveram submetidas quando do domínio do positivismo lógico. Entretanto, como destaca o texto, no território da psicologia elas não ficaram restritas a isso, como bem comprovam as perspectivas trazidas com a cognição social, e também contribuições sobre as relações intergrupais e sobre as representações sociais, através de nomes como Tajfel e Moscovici, respectivamente. No território sociológico, os autores destacam o ressurgimento do interacionismo simbólico com Stryker, a teoria da estruturação de Giddens, a teoria da figuração de Elias e o construtivismo estruturalista de Bourdieu.
O percurso histórico desenvolvido pelos autores deixa claro que a proposição sobre a autonomia de uma disciplina, ancorada numa divisão e distinção com outras disciplinas - herança talvez da lógica científica que dominou parte do século XX –, tem na Psicologia Social uma limitação lógica, tratada nas palavras dos próprios autores.
"A psicologia, cuja pretensão inicial foi o estudo científico da mente, teve que assumir de súbito que a mente humana não surge nem se desenvolve num vazio social, se não que é produto da interseção da pessoa dentro de uma coletividade. O mesmo se pode dizer da conduta individual. A sociologia, por sua parte, que surgiu com a pretensão de converter-se no estudo científico da sociedade, tampouco pode ignorar em suas análises a existência de fatores psicológicos ou individuais que influem no comportamento social". (Álvaro & Garrido, 2004, p. 7). [Tradução livre]
Ora, a Psicologia Social é o espaço de interseção entre essas duas premissas. Pensar o indivíduo separado da sociedade ou a sociedade sem os indivíduos é um exercício de impossibilidade ou de vazio da realidade.
A forma como as idéias estão colocadas no texto permite uma assimilação do que pretendem os autores, ou seja, lançar mão das premissas epistemológicas e metodológicas para dar sentido à Psicologia Social. O livro mostra a cara das diversas teorias que desvelam o espaço da Psicologia Social e - o que é um aditivo - mostra também a cara – literalmente – dos teóricos que as preconizam. É sem dúvida uma mostra de trabalho sério e de qualidade realizado pelos professores Álvaro e Garrido. Um convite àqueles que queiram desvelar também sua vinculação com a Psicologia Social, seja na perspectiva psicológica, seja sociológica ou na independente.

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